12 de ago. de 2010

Sakineh, uma mulher como nós

Por Martha Medeiros, publicado hoje em Zero Hora

Adoçantes não calóricos. Massagem com compressas de ervas quentes. Máquinas high-tech para eliminar a celulite. Modelador térmico para criar cachos naturais. Esmalte de tratamento para unhas frágeis. Clareador de manchas com ácido bio-hialurônico. Hidratante bloqueador de radicais livres. E sigo folheando uma  adorável revista feminina, que nos conduz a um mundo onde tudo é lindo, glamouroso e caro, mas sonhar não custa nada, e viro mais uma página, e outra, enquanto penso: uma moça chamada Sakineh Mohammadi Ashtiani pode morrer apedrejada a qualquer momento por um suposto adultério cometido anos atrás.
Mulheres se candidatam à presidência, dirigem empresas, pedem o divórcio, viajam sozinhas, investem na sua vaidade, mas nenhuma dessas conquistas pode nos orgulhar enquanto ainda houver o costume de enterrar uma criatura no chão com apenas a cabeça de fora para que leve pedradas de diversos homens — e não podem ser pedras GG, tem que ser as de tamanho M, pois exige-se que o suplício seja longo. Que tom de gloss será conveniente para assistir ao badalado evento?

Sei que há diversas outras modalidades de desrespeito aos direitos humanos, inclusive no Brasil, mas neste momento estou vestindo a camiseta da Sakineh. Quero falar sobre o ato primitivo de se apedrejar uma mulher na cabeça até a morte. Não discuto o motivo torpe da condenação, pois nem que ela tivesse matado alguém, em vez de simplesmente ter feito sexo com alguém, seria justificativa. Não há justificativa para a  brutalidade. É a lei do Irã, é a religião do Irã, é a tradição do Irã, e daí? Quando meu estômago embrulha, é
sinal de que algo bem perto de mim está acontecendo. Distância só existe quando a gente racionaliza, o sentir unifica. O Irã faz parte do mundo em que eu vivo. O meu tempo e o da Sakineh são o mesmo. Somos   contemporâneas. Ela não é um personagem, existe. Tem filhos. E se a mobilização internacional não surtir  efeito, em breve será enterrada até a altura do busto, com os braços presos para não poder proteger o rosto.  O que dói, mais do que tudo, é reconhecer que avançamos tanto e ainda não conseguimos atingir um grau de humanidade que seja comum a todos, homens e mulheres de qualquer lugar e de qualquer crença. O que podemos fazer por Sakineh? Rezar para que ela seja enforcada, que é o plano B. Ufa, seria um alívio.
Há uma petição circulando pela internet. Acredito tanto na eficiência desses abaixo-assinados como acredito  em creme antirrugas, mas volto a dizer: sonhar não custa nada.
Eu já assinei. Agora vou passar meu incrível tônico de renovação celular “future solution”, pois, como  qualquer mulher, adoro cuidar da minha pele.

Esse fato também me causa náuseas, aperta meu peito e dificulta minha respiração... não tem como não sentir... adoro os escritos da Martha  mas não tenho vontade de passar creme não (talvés ela tenha sido irônica nesta última frase), a última coisa que me vem a mente é cuidar da minha pele, sendo que em dez anos, dez mulheres foram assassinadas por dia no Brasil (o nível de assassinato feminino no Brasil fica acima do padrão internacional) e a cada minuto 4 mulheres são agredidas no país. 
Contamos com a assinatura de nossas leitoras pela liberdade da Sakineh, que não é diferente de nós!
Para assinar:

Ana Paula Andrade

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